Jorge da Conceição, artesão estremocense, neto de Mariano da Conceição e filho de Maria Luísa Conceição foi recentemente galardoado com o prémio FIA 2014, na categoria de melhor peça de artesanato tradicional com a peça intitulada de ‘Fado’. Numa altura em que o artesão se encontra em Estremoz para a VIII Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz na Galeria D. Dinis, o ‘E’ foi ao seu encontro para saber um pouco da sua história, das suas memórias e de como é visto aos seus olhos o Boneco de Estremoz.
‘E’ – Falemos de si, para que os nossos leitores o identifiquem melhor. Quem é o Jorge da Conceição?Jorge da Conceição (JC) – O meu nome é Jorge Manuel da Conceição Palmela e simplesmente ‘Jorge da Conceição’ é um nome artístico. Eu fui para Lisboa aos dezassete anos e entrei numa carreira de consultoria onde estive vinte e cinco anos numa empresa multinacional e onde cheguei ao topo da empresa. Quando decidi dedicar-me à área da cerâmica achei que tinha que encontrar um outro nome mais relacionado com a cerâmica e optei pelo apelido Conceição, que é o apelido materno e achei que era o ideal para este meu lado mais artístico que não tem nada a ver com aquilo que foi a minha carreira profissional anterior.
‘E’ – Quando é que percebeu que tinha esta paixão pelo barro?
JC – Esta paixão nasceu comigo. Nasci numa família de barristas e não tenho memória da primeira vez que lidei com o barro porque ele sempre existiu lá em casa. Recordo-me de ser miúdo, mesmo antes de ir para a escola primária, e a minha avó trabalhava na cozinha. Nunca tive nenhum curso específico e aprendi a ver fazer, a treinar e praticar. Na minha família a minha avó, a minha tia Sabina e a minha mãe trabalhavam no barro e sempre tive a sorte de que todas elas me deixavam ‘pôr a mão na massa’. Nunca fui recriminado por fazer uns pequenos ‘monstrinhos’ no início e fui sempre incentivado a aprender com tentativa e erro.
‘E’ – Neste momento vive em Lisboa. À distância que opinião tem de Estremoz?
JC – Tenho pouca visibilidade, a não ser por aquilo que a minha mãe me vai contando sobre a realidade de Estremoz. Saí daqui há trinta e quatro anos, quando tinha dezassete anos e não tenho muita noção do que é o dia-a-dia da cidade, a não ser nesta área dos bonecos que vou acompanhando. Estremoz está mais evoluído, está um bocadinho maior, mas não tenho grande opinião nem sobre os temas políticos, nem se se vive melhor ou pior. É uma cidade que pela qual tenho um carinho muito grande e acho que é uma cidade muito rica naquilo que tem a ver com as artes. Penso que neste momento tem sido feito um esforço no sentido de potenciar isso e acho-o muito louvável.
‘E’ – Que memórias tem desses primeiros tempos em Estremoz?
JC – Recordo-me dos tempos de escola. Andei aqui até ao décimo segundo ano e a minha vida era igual à de um miúdo qualquer. Do ponto de vista dos barros tenho a memória de ver a minha avó e a minha tia a trabalhar e de estar todos os dias com ambas e me deixarem pintar, remodelar partes dos bonecos e foi sempre algo que me deu muita satisfação.
‘E’ – Isto significa que nem sempre esta foi a sua profissão…
JC – Exactamente. Quando era miúdo não fazia bonecos, só fazia quando tinha tempo livre e dedicava-me a peças que tinham um bocadinho de mais trabalho. Fui estudar para Lisboa e só fazia bonecos nas férias grandes. Por exemplo, o presépio que está exposto no museu é de 1984, altura em que estava a estudar em Lisboa. Em 1986 quando acabei o curso, entrei numa empresa de consultoria e aí interrompi radicamlemente com os bonecos, porque deixei de vir passar férias grandes e tive vinte e cinco anos sem tocar no barro.
‘E’ – Porque tomou a decisão de deixar a sua vida profissional como consultor para se dedicar aos bonecos de Estremoz?
JC – Sempre tive o sonho de me dedicar de alma e coração a isto. Sempre achei que esse momento fosse acontecer quando tivesse uma idade mais avançada. Sempre tive uma vontade muito forte de ter uma segunda vida profissional, onde não tivesse que me reformar e achei que os bonecos eram essa via. Considero que vou morrer a fazer bonecos de Estremoz, a minha mãe tem oitenta anos e ainda continua a fazer, é uma actividade que se faz até conseguirmos fisicamente fazer e, portanto, decidi que quando saísse da consultoria queria tentar esta via. Não sabia se iria ter retorno ou não, mas decidi que queria experimentar. A vida de consultor trás muito desgaste e um nível de stress muito grande e fui criando a ideia de que os cinquenta anos eram a barreira emocional para mudar de vida. Aos quarenta e nove anos eu saí da empresa e tive um ano a preparar a minha nova carreira. Coloquei a meta nos cinquenta anos porque quando saísse queria sair no auge da carreira e seria quando estava preparado para abraçar um novo desafio.
‘E’ – Esta mudança de vida está a ter o retorno esperado?
JC – Passados dois anos posso dizer que vou ficar nesta vida. Não penso voltar à minha vida anterior, porque esta vida está a trazer-me muito mais prazer e sou muito feliz a fazer aquilo que faço. Também acho que tenho um caminho a percorrer e vou tentar percorrer.
‘E’ – Que opinião tem sobre os artesãos estremocenses?
JC – Acho que cada um tem o seu estilo, cada um procura definir uma linha que o caracteriza tal como eu procuro fazer a minha. O que acho é que todos nós devemos tentar arriscar um bocado mais, ir mais longe e ver onde conseguimos ir. Nomeadamente os jovens acho que deviam tentar arriscar mais, ver até onde conseguem ir, porque ainda têm a possibilidade de evoluir e para se afirmarem como artistas diferentes e não continuarem muito na linha daquilo que já se fazia. Acho que esta é a mensagem que eu posso deixar aos jovens. Arrisquem mais porque estão na fase de arriscar, de aprender, de desenvolver e de ciar o seu próprio estilo.
‘E’ – Ganhou o prémio FIA 2014. A quem dedica esse prémio?
JC – Este prémio dedico-o à minha mãe porque foi uma das pessoas que mais me incetivou neste percursso. A minha mãe apoiou-me desde os primeiros instantes em que eu decidi abraçar esta atividade. No fundo, acho que ela sempre teve a esperença que um dia fosse o seu seguidor e acho que ela ficou muito contente quando eu tomei a decisão de me dedicar aos bonecos de Estremoz.
‘E’ – A candidatura dos bonecos de Estremoz a Património da Unesco tem pernas para andar?
JC – Acho quem sim. A prova disso é que foi atribuído ao Cante Alentejano esse estatuto e os bonecos de Estremoz têm todas as condições para que isso também possa ocorrer. Acho que é preciso dar alguns passos no sentido de posicionar bem os bonecos de Estremoz para que esse processo tenha êxito. O museu e a câmara municipal estão a trabalhar muito nesse sentido e é importante que os artesãos percebam a importância disto e trabalhem nesse sentido. A barristica de Estremoz tem muito valor porque tem muitos anos de história e não se repete em mais lado nenhum. Há muitas regiões no país que produzem figuras de barro e nenhuma é similar às que nós temos em Estremoz, quer pelos materiais usados, quer pelas técnicas que usamos para fazer as peças. As peças são todas elas diferentes porque têm a ver com o estilo artístico de cada um. Uns têm mais habilidade que outros, uns arriscam mais e outros são mais tradicionais e mais comerciais e tentam repetir as peças que fizeram. Existe a barristica naquilo que é a sua forma de fazer e nos materiais usados e existe o resultado final que é aquilo que cada artesão põe de si. Há um desafio que é preciso entender que é o que é o boneco de Estremoz. Existe muita tendência de pensar que o boneco de Estremoz é um conjunto de figuras dos anos quarenta que sistematizaram, nomeadamente com o meu avô e professor Salemos e que a partir daí foram feitas réplicas de uma forma inesgotável tanto pela minha avó, como pela minha tia e pelo meu avô. Hoje em dia há muito mais figuras, mas às vezes quando se fazem figuras um bocadinho diferentes as pessoas dizem que já não é boneco de Estremoz porque já não é o pastor nem a cefeira. A década de quarenta foi uma época em que houve a necessidade de se sistematizar esses bonecos, mas os bonecos de Estremoz são muito mais antigos e que não têm nada a ver com as figuras que são feitas hoje. Não se pode rejeitar estas figuras só porque não têm essas formas mais naif de fazer os bonecos de Estremoz. Nós estamos no século XXI, o boneco está vivo, vai evoluindo e evolui com aquilo que cada artista acrescenta. A candidatura do boneco tem que se basear neste aspecto e perceber que os bonecos não são um catálogo de sessenta ou setenta figuras e que tudo o resto já não é boneco de Estremoz.