Capoulas Santos, eurodeputado e ex-ministro da Agricultura, sobre a Barragem de Veiros

Entrevista (Edição 46, 2 de fevereiro de 2012, conduzida por André Canoa)

Depois de um encontro na Praça Marquês da Praia, bem no centro da vila, percorremos, em ritmo de passeio, um pequeno percurso sob a típica calçada portuguesa. Seguidamente, já por entre veredas e trilhos agora bem traçados pelos muitos populares que regularmente visitam a obra – lá chegamos ao maior investimento e projeto que Veiros alguma vez conheceu.
Vislumbra-se o grande lago. Do alto de Santa Catarina vêm-se laminadas a “regra e esquadro”, as grandes rochas do extinto e saudoso pego da Hortinha. Apesar de ser janeiro o dia mais parecia de primavera e os raios de sol já sorriam às primeiras águas. Cordial, disponível e pragmático. Assim foi Capoulas Santos numa entrevista concedida em exclusivo ao ‘E’, em pleno paredão da barragem de Veiros.

E – Tem acompanhado a evolução das obras?
Capoulas Santos (CS) – Sim. Tenho conhecimento que a barragem está em construção.
Uma obra que tem uma dupla valia: abastecimento de águas às populações e uma vertente agrícola. Veiros pode
dar um contributo, pequeno à escala do país, mas importante para a região e para aumentar a nossa produção, sobretudo em áreas onde temos grandes necessidades. Nós somos altamente deficitários em milho e temos no Alentejo boas condições para o produzir, desde que tenhamos água disponível.

E – Como vê a concretização de um projeto que há tanto era reivindicado pela população?
CS – Aqui está um dos exemplos concretos onde uma mudança de Governo significa sempre atrasos e prejuízos.
Tudo estava encaminhado no sentido desta obra ter sido lançada muito antes. Entretanto caiu o Governo de Guterres, veio o Governo de Durão Barroso e aconteceu com Veiros o que este Governo está agora a querer fazer com Alqueva: parar para estudar e decidir. Isto implica um “iate” de vários anos.

E – Alguns populares e agricultores defendem que a obra é tardia e que a atual situação do país, que afeta também a
agricultura, poderá refletir-se no aproveitamento da barragem. Partilha desta opinião?
CS – Partilho. Eu quando cheguei ao Governo (ndr: Em Outubro de 1995 foi nomeado Secretário de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural) constatei que era uma das obras que já devia ter sido feita. Tudo fiz, designadamente na feitura dos projetos e no lançamento dos concursos, para que pudesse ser concretizada. Mas
mais vale tarde do que nunca. Temos sempre oportunidades e nos tempos em que vivemos armazenar água que vai ser um dos recursos mais preciosos no futuro – é algo sempre positivo. Agora é pena que se invistam dinheiros
públicos e comunitários numa infra-estrutura e depois não se criem condições para a sua utilização. Vai ser muito importante saber o que se passa com o perímetro de rega.

E – Praticamente concluída a obra, há algum ceticismo quanto à criação desse mesmo sistema de regadio…
CS – A vertente agrícola pressupõe investimento no perímetro de rega. Não tenho conhecimento do que se passa mas será um absurdo se o projeto não avançar. Seria a mesma coisa que comprar um automóvel e depois dizer que não tem gasolina.

E – Qual o impacto que a infra-estrutura pode ter para a região, a todos os níveis?
CS – O desenvolvimento da agricultura induz sempre desenvolvimento rural. Quando há uma atividade agrícola produtiva há sempre um conjunto de atividades que lhe estão associadas: quem vende fertilizantes, máquinas
agrícolas ou outros fatores de produção. Gera emprego e desenvolvimento na economia, ao mesmo tempo que ajuda
o país a reduzir as suas dependências. É o somatório de todos esses contributos em todo o país, que ajudam a sair desta situação. Considero que Veiros, tal como outros projetos hidroagrícolas, acrescentam mais à possibilidade de aproveitarmos adequadamente os nossos recursos. Nós temos um excelente clima, infelizmente não temos bons solos mas aqueles que temos, temos de potencia-los, e isso implica investir em obras de hidráulica/agrícola. Quando
estive no Governo essa foi sempre a minha primeira prioridade: investir hoje para que tenhamos recursos hídricos disponíveis para o futuro. A água vai ser um bem muito precioso.

E – Quanto à direcionalidade das culturas, o projeto foi pensado em dar igual oportunidade a todas, ou isso passa
pela liberdade de investimento dos agricultores?
CS – Nós estamos numa economia de mercado, as propriedades são privadas. O que vai ser irrigado vão ser explorações agrícolas individuais e a cada empresário compete fazer as suas opções de gestão e aquilo que acha que tem mercado para ganhar dinheiro. Nós não estamos numa economia planificada, como era na antiga União Soviética, onde era o Estado que dizia às unidades coletivas aquilo que deviam produzir. Aqui cada empresário, individualmente, toma as suas opções e ao tomá-las corre também riscos mas nos dias de hoje, um
empresário que se preze tem de dominar as tecnologias de produção e conhecer o mercado.

E – Haverá incentivos aos agricultores paralelos a este projeto?
CS – Bem, não podemos esquecer que estamos numa Europa que tem uma Politica Agrícola Comum (PAC) e que concede estímulos e incentivos aos agricultores de dois tipos. Em primeiro lugar, com a nova PAC haverá um subsídio por hectare independentemente da produção que vier a ter lugar nessa área produtiva. Existem por outro
lado, outro tipo de ajudas mais direcionadas para o apoios aos investimentos: compra de maquinarias, equipamentos, construções, sistemas de rega ou plantações. É bom referir que à escala mundial, em poucos países existem apoios públicos tão fortes à agricultura como na Europa. Talvez os únicos países que se comparem sejam os EUA e Japão. Estes apoios existem no quadro da PAC atual, até final de 2013 e existirão na nova PAC, a partir de 1 janeiro 2014.

E – Dado o vasto património de Veiros, poderá haver termo de comparação entre esta barragem e Alqueva, no que
concerne ao aproveitamento turístico?
CS – A única comparação que há de Veiros com Alqueva é uma questão de escala. Alqueva é um mega projeto e Veiros não deixa se ser um pequeno projeto hidroagrícola, mas que reúne em si o mesmo tipo de potencialidades. Compete aos agentes económicos da região aproveitar todas essas valias. Desde logo às autarquias, utilizando a água para abastecimento público em qualidade e com disponibilidade permanente, o que é algo importante numa
zona onde existem tantas limitações. Para a agricultura, levando água para as explorações agrícolas que podem passar de uma economia de sequeiro para regadio, com as vantagens inerentes.
Na componente turística, que os agentes económicos, a restauração e a hotelaria tragam turistas e que com eles se permita a construção de infra-estruturas que acabam por gerar emprego local. Um projeto como Alqueva ou Veiros são sempre projetos âncora para um conjunto diversificado de atividades.

E – Para finalizar, que mensagem deixa aos agricultores e a todos os potenciais agricultores?
CS – Os agricultores portugueses e europeus, em geral, sabem sempre aproveitar os estímulos. Estou certo que se existir água, facultada a preços acessíveis, os agricultores de Veiros saberão aproveitar esta oportunidade em seu próprio benefício e da região. Mesmo na atual conjuntura de crise… É em situações como esta que é necessário deitar mão a todos os recursos disponíveis. Se se justificaria o aproveitamento deste recurso num contexto de prosperidade, mais se justifica num contexto de dificuldade porque ele ajudar-nos-á a superar essas mesmas dificuldades.

Já referenciada num plano desenvolvido
nos anos 50 do século XX

Deve ficar concluída no primeiro semestre de 2012

A barragem passou publicamente de uma promessa a uma certeza durante a inauguração da FIAPE de 2006, quando o Ministro do Ambiente, Francisco Nunes Correia, assumiu integrá-la no próximo ciclo de fundos comunitários de apoio. Um ano depois, no mesmo certame, o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, Jaime Silva, autorizou a abertura do concurso público para a empreitada de construção da barragem de Veiros.

Constituída a Associação de Regantes e a rede de rega em pressão, o lago artificial está projectado para fornecer um
perímetro de rega que fornecerá os Concelhos de Estremoz e Monforte, numa área de 1134 hectares, A barragem será do tipo aterro zonado, com 150m de comprimento e 8m de altura, sendo a altura máxima acima da fundação de 32,5m. Terá um escoamento anual médio de 25,1hm3 e uma capacidade de rega de 1 389 litros por segundo.
Toda a obra inerente à construção representa o maior investimento alguma vez efectuado na freguesia do Concelho de Estremoz, num total de quase oito milhões de euros. A infra-estrutura está a cargo do Consórcio constituído pelas empresas OIKOS – Construções, S.A./Chupas & Morrão – Construtores de Obras Públicas. A albufeira está a ser erigida na Ribeira de Ana Loura, junto à povoação de Veiros.

Perímetro de Rega tarda em começar

Com a conclusão da construção da Barragem de Veiros está previsto ser criado o respetivo perímetro de rega, obra que ainda suscita muitas dúvidas.
Segundo garantiu ao E o presidente da Associação de Beneficiários do Perímetro de Rega de Veiros (ABPRV), as explicações da Direção Regional Agricultura de Évora (DRAE) foram “escassas”. “Tivemos uma reunião com a DRAE em outubro de 2011, na qual pedimos algumas informações mas até hoje ninguém nos disse mais nada. Foi uma luz que se apagou”.
Para António Silveira não faz sentido esta obra não avançar: “Seria um desperdício porque a barragem foi criada para fins agrícolas”. Quanto à data de concretização do projeto considera que a barragem, “mesmo bem-vinda agora, teria tido outro impacto há 30 anos”. A maioria dos cerca de 60 agricultores beneficiários, dos concelhos de Estremoz e Monforte, tem idades compreendidas entre os 50 e os 60 anos. A ABPRV nasceu a 7 maio 2009, tem cerca de 40 associados inscritos e uma cota anual de 10 euros. “Futuramente o objetivo seria ter uma sede, com um escritório e uma pessoa no terreno mas não sabemos se conseguimos fundos para tal. Atualmente somos uma associação oficial mas sem atividade. Vamos apenas gerindo os dinheiros das cotas dos associados. Os apoios são escassos”, diz o responsável.
Para além de António Silveira, os agricultores José Nuno Pereira e Francisco Sardinha fazem também parte da direção desta associação veirense.