A candidata à Presidência da República Portuguesa, Ana Gomes, visitou o Alentejo e concedeu uma extensa entrevista ao ‘E’. A candidata debateu dificuldades de mobilidade dentro da própria região e identificou problemas sérios na Saúde, Educação, Mobilidade e Tratamento de Minorias. A socialista confessa que gostaria que o seu Partido, o PS, como Partido Central na governação do país, tivesse um candidato ou candidata que apoiasse.

O que a levou a decidir-se pela candidatura à Presidência da República?

A convicção de que posso nesse cargo fazer a diferença por um Portugal melhor, mais justo, com mais igualdade e oportunidades para todos. O Portugal que os portugueses e portuguesas já reclamavam, mesmo antes de nos encontrarmos confrontados com a pandemia, que temos de ultrapassar unidos. Um Portugal em que a mais preparada das gerações não pode continuar a esbarrar num teto de suposto “pragmatismo político”, que a impede de se realizar pessoal e profissionalmente em território nacional. Sei que posso convocar os portugueses para definirmos um rumo estratégico para o País no atual quadro europeu e internacional. E sei que, como Presidente da República, posso ajudar a regenerar a democracia e a construir um novo modelo de desenvolvimento em que ninguém fique para trás e todas e todos tenham oportunidades.

 

Gostaria de ter visto o seu Partido, o PS, apoiar a sua candidatura?  

Sim, gostava que o PS tivesse um candidato ou candidata que apoiasse. Porque, sendo um Partido central na governação do País, deve interessar-se pelo desempenho do primeiro órgão político e institucional do nosso sistema constitucional democrático.

Mas membros da atual direção do PS optaram por apoiar a candidatura da direita que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa representará.

Por isso decidi avançar com a minha candidatura, que representa o espaço do socialismo democrático, que é o meu, mas vai além dele, congregando todos os cidadãos e cidadãs que querem progresso e sabem que ele passa por reforçar a democracia – e para isso entendem que é preciso regenerar as instituições da democracia. Por isso aceitei, com muita honra, os apoios já expressos pelos partidos PAN e LIVRE, tal como o de muitos militantes PS, que já declararam individualmente apoiar-me, quer dirigentes, quer militantes de base. E, claro, também por isso aceitei, com sentido da responsabilidade, o apoio de muitas pessoas de outros quadrantes democráticos. Todos fortalecem a minha candidatura e demonstram que o propósito dela é unir quem queira defender e reforçar a democracia.

 

Quais são as linhas mestras do seu programa de candidatura?

Quando falo em “Cuidar de Portugal” quero dizer que trabalharei para ver concretizadas as promessas de progresso e justiça que o 25 de Abril – a Democracia – nos abriu. A linha mestra será, por isso, zelar pelo reforço do nosso sistema democrático, elevando o grau de exigência, de responsabilização, de transparência e de integridade que os portugueses reclamam dos seus representantes eleitos e de quem desempenha cargos públicos.

Quero fazer o que. Constituição prescreve – ser garante de que as instituições da República funcionem e que Justiça e Estado de Direito democrático não sejam só meras formalidades.

Quero também ser uma Presidente que una os portugueses e ativamente esteja ao seu lado e os convoque para os desafios que enfrentamos, da saúde pública aos processos da transição energética, do combate às alterações climáticas, de transformação digital, com fortalecimento da justiça social, valorização do fator trabalho e investimento na criação de emprego decente.

 

Os portugueses identificam-na com o combate à corrupção. O que falta fazer em Portugal nesse combate? Acha que o quadro legal existente é suficiente para essa luta? Faltam meios?

A primeira coisa a fazer é não evitar falar de corrupção para parecer que ela não existe. Existe e os cidadãos sabem que ela os prejudica, desviando avultados recursos do SNS, da educação pública, da segurança nacional, da qualidade da administração publica, do investimento público etc…

A segunda coisa a fazer é cumprir as leis, nacionais e europeias, que já nos dão o enquadramento institucional e jurídico para podermos agir contra a impunidade de corruptos e corruptores. Para isso temos, é verdade, de afetar mais meios e recursos para que o nosso sistema de justiça e a nossa sociedade como um todo passem a reagir à corrupção “por sistema”, com todo o peso do Estado de Direito. Se me elegerem, os cidadãos e cidadãs desta República passarão a ver na sua Presidente uma agente ativa do combate à inércia, ao conformismo e à corrupção.

 

Fala-se muito em coesão nacional e em valorização do interior, mas continuamos a assistir à desertificação dos territórios que se situam longe dos grandes centros. A dinamização do interior é para si uma prioridade? O que pode ser feito nesta área?

 

A dinamização do interior é absolutamente prioritária e tem de haver uma voz que personifique a mudança indispensável. E temos que começar pelo básico: repovoar o interior do país. Temos de criar condições para atrair e incentivar quem invista no interior, em atividades agrícolas, industriais, serviços, transportes, educação, cultura, etc..

A regionalização é imprescindível: pode e deve acontecer. Tenho viajado pelo País e uma coisa é patente: os portugueses do interior batem-se com todos os recursos que têm, mas sentem-se manietados pela distância dos centros de decisão. Vejo a academia e empresas do interior a lutarem pela inovação, pela procura de novos negócios e mercados e pela fixação de empregos em locais com inigualável qualidade de vida. A reconstrução económica de Portugal depois da crise pandémica por que passamos deve, obrigatoriamente, garantir igualdade de acesso a serviços do Estado, a qualificação e requalificação do mercado de trabalho, a Educação e Saúde de qualidade. Para isso é preciso políticas com discriminação positiva nos incentivos – fiscais e outros – ao investimento, recursos robustos canalizados para as autarquias e para organizações locais da sociedade civil poderem fiscalizar democraticamente a sua aplicação, incluindo, como é obvio, media regionais.

 

Tem uma posição sobre o número de mandatos que o Presidente da República deve cumprir?

Candidato-me no respeito integral pelas regras em vigor, que estabelecem a duração e o número de mandatos que um/uma Presidente da República deve cumprir.

Mas isso não me impede de considerar que esta matéria merece reflexão.

Havendo oportunidade para isso, em sede de revisão constitucional, creio que uma solução que atribuísse um mandato único e mais longo – por exemplo, de sete anos – poderia conferir estabilidade e autoridade ao exercício da função presidencial, ao mesmo tempo que evitaria quer a perda de genuinidade, quer o fator de pressão pelo alinhamento político com o poder executivo com vista a assegurar ao titular a reeleição para um segundo mandato – que é o que me parece que estamos a ver atualmente.

 

Antecipa uma segunda volta nas eleições presidenciais de 2021? Arrisca dizer-nos quem serão os protagonistas?

Haverá segunda volta e eu estarei nela face ao Professor Marcelo Rebelo de Sousa.

Enquanto Presidente ele distribuiu beijinhos e abraços e falou sobre quase tudo. Mas não falou, nem agiu, para pressionar mudanças em muito do que está mal e ameaça o nosso presente e o futuro do nosso País e dos nossos filhos e netos. Pelo contrário, deixou que crescessem e se normalizassem forças que querem a destruição do regime democrático, pregam ódios, racismo e intolerância, assim semeando a violência, o conflito e a insegurança.

Eu quero ser Presidente para ajudar a mudar o que precisa de ser mudado, para que se faça justiça, haja trabalho e oportunidades para todos e para defender e reforçar a qualidade da democracia em Portugal. As portuguesas e portugueses decidirão.